Mais uma excelente entrevista, desta feita com Justin Rattner, CTO da Intel, que confia na longevidade da Lei de Moore e promete processadores com 80 núcleos. Além disso, Justin Rattner levanta pistas sobre o potencial da “spintronic”, como sucessora da electrónica.
Num artigo publicado em Abril de 1965 no jornal Electronics (“Cramming more components onto integrated circuits”), Gordon Moore afirmava que o futuro da integração de circuitos era o futuro da electrónica. Ao analisar o potencial da nova tecnologia, ele lançaria as bases do que viria a ser a chamada Lei de Moore, segundo a qual o número de transístores num chip dobra a cada 18 meses. Para tirar partido dessa evolução, Bob Noyce e Gordon Moore fundariam em 1968 a Intel, cujo nome nasce da fusão das palavras “integrated electronics”.
Durante 1971, a apresentaram o primeiro microprocessador da história, o modelo Intel 4004, uma placa de silício de quatro milímetros por três milímetros com 2.300 transístores miniaturizados. Passaram-se 36 anos e hoje a Intel consegue colocar perto de 291 milhões de transístores no Core 2 Duo, um chip menor que o 4004. Este aumento na densidade dos chips está na razão directa do aumento astronómico na potência dos computadores. Para onde se evolui agora? Quem responde é o Chief Technology Office da Intel (CTO), Justin Rattner
Computerworld - A Lei de Moore, segundo a qual o número de transístores num chip duplica a cada 18 meses enquanto o seu preço permanece inalterado, foi formulada por Gordon Moore há 42 anos e continua válida. Mas ela não está próxima do seu limite?
Justin Rattner - Sempre que alguém diz que a Lei de Moore atingiu o seu limite, olho para trás, para a história da indústria de semicondutores. Trabalho nela há mais de 30 anos e tenho trabalhado com a lei de Moore durante muito tempo. Não se pode prever nada em termos de tecnologia além de um prazo de dez anos. Isso acontece porque temos a certeza de que no final de um período de dez anos conseguiremos prever um novo período de dez anos à frente. Se olhar para o desenvolvimento dos novos processadores com a tecnologia de 45 nanómetros (45 bilionésimos de metro), verá os problemas relativos à Lei de Moore com que tivemos que lídar. Há quatro ou cinco anos, as pessoas diziam que a Lei de Moore estava no fim por causa da perda de corrente dentro do chip. A transição dos transístores com portas de silício para os transístores que combinam portas dieléctricas High-K com porta de metal gerou uma redução dramática na dissipação.
Este é apenas um exemplo de como inovações técnicas podem solucionar aquilo que antes se pensava ser um limite fundamental. E existem outras inovações como estas que eu poderia descrever, apesar de ainda não as termos colocado em produção. Por exemplo, os transístores Tri-Gate, que pela primeira vez deixarão de ser só de silício para ter uma camada de circuitos que fica acima do núcleo de silício (previstas para as gerações de transístores de 32 e de 22 nanómetros). Com isso quero dizer que daqui a dez anos, os transístores que estaremos construindo, poderão não lembrar em nada os feitos hoje em dia. Mas isso não significa o fim da Lei de Moore.
CW - O futuro chip de 80 núcleos é um exemplo desta mudança de desenho?
JR - Com certeza! Há seis ou sete anos, começamos a discutir sobre como resolver os problemas de limitação de potência nos chips, o que tornava muito difícil aumentar o seu desempenho. Isso acontecia porque o tipo de energia, o tipo de potência que os processadores futuros dissipariam poderia ser maior do que nós poderíamos resfriar de forma economicamente viável. Assim, em 2001, começamos a discutir sobre esta barreira de potência e decidimos tentar uma nova abordagem ao design de processadores que envolviam o uso de chips energeticamente mais eficientes e o uso de processadores com múltiplos núcleos. Portanto nós agora temos os processadores de dois núcleos (dual-core) e de quatro núcleos (quad-core). E teremos os de oito núcleos, e assim por diante…
CW - De 16 núcleos, de 32 núcleos e assim por diante?
JR - Creio que iremos assistir a uma evolução em diferentes ritmos para diferentes linhas de produto. Penso que processadores para desktops e aparelhos móveis passarão para oito, doze ou talvez 16 núcleos. Já na área de alto desempenho será onde veremos aumentos mais radicais, e este é o espírito que motivou a criação dos processadores de 80 núcleos, voltados para actividades que requerem altos níveis de computação.
CW - Existe futuro na computação sem o silício?
JR - Bem, esta é uma pergunta muito provocadora. É difícil imaginar hoje em dia que o silício deixe de ser um componente básico dos processadores. Trata-se de um material tão versátil que continuamos a descobrir novos meios de usá-lo. Por exemplo, estamos a construir uma variedade de dispositivos ópticos em silício. De facto, anunciamos em Julho um modulador óptico de silício de 40 Gigabits por segundo. Partimos de um sinal óptico e modulamo-lo, inserindo nele dados à razão de 40 Gigabits por segundo, o que é mais rápido do que qualquer outra tecnologia conseguiu.
O silício é um material muito poderoso e creio que permanecerá central nos semicondutores. À medida em que nos movermos para novos desenhos ou novas arquitecturas de transístores como as chamamos, poderemos introduzir materiais que não são se silício. Estou a falar dos transístores de superfície. Poderemos depositar outros materiais sobre a superfície e fazer transístores de outros materiais ou poderemos construir dispositivos que dependem de propriedades quânticas diferentes da carga electrónica.
Tudo o que fazemos hoje ainda depende da carga electrónica, mas estamos a pesquisar outros meios baseados em certos efeitos quânticos. Refiro-me à “spintronic”: electrónica baseada na rotação de um electrão, para transportar a informação digital, em valores de 0 e 1. É possível que a “spintronic” represente um futuro tipo de design se pudermos descobrir como controlar o efeito de rotação em circuitos e dispositivos úteis.
CW - Está a falar de “spintronic” como um sinónimo para computação quântica?
JR - Não, são coisas diferentes. A computação quântica é um tipo diferente de computação baseado no comportamento estatístico observado na física quântica. Poderá ser útil para algumas funções, mas não será muito útil para o tipo de coisas que fazemos hoje.
CW - Será usado nas tarefas de computação maciça, mas não em desktops e notebooks, certo?
JR - Sim, você tem razão. Ela oferece o potencial para uma procura tremenda de paralelismo, e com muita eficácia. Mas existem alguns problemas que precisam ser resolvidos com o tipo de computação que os computadores quânticos irão realizar. O que eu estava a sugerir em relação à “spintronic” é o uso uma das propriedades quânticas como, por exemplo, a carga como sendo o 1, e a cor como zero. A rotação é particularmente interessante se pudermos controlar este efeito em novos dispositivos de diversos tipos, e a Intel também está a investigar isso.
Voltando à Lei de Moore, podemos vir a atingir um fim para a electrónica baseada na carga daqui a dez, 15 ou 20 anos. Mas poderemos substituí-la por um sistema baseado em rotação. Se isso quer dizer que a Lei de Moore chegará ao fim, eu não sei. Mas contando que possamos continuar a melhorar o desempenho, a eficiência energética e a densidade dos processadores, ela continuará a valer.
CW - Pode explicar melhor a transmissão de 40 gigabits, também conhecida como fotónica do silício?
JR - Claro. Está a ficar cada vez mais difícil elevar as taxas de transmissão quando tentamos mover dados através de cabos digitais de cobre. Estes cabos estão nas placas de circuitos, e podem estender-se através de longas distâncias dentro de um centro de dados ou até mesmo além dele. O cobre faz parte dos sistemas de comunicações do passado. Hoje existem fibras ópticas à volta do globo. Onde eu moro a companhia telefónica está a trazer fibra óptica até a minha casa. O mesmo acontece com os centros de dados, onde as fibras começam a entrar. Mas o custo disso é relativamente alto.
Por causa disso, há quatro ou cinco anos nós começamos a olhar para a possibilidade de construir estes novos dispositivos ópticos de alto desempenho em silício. E projectámos fotodetectores de alto desempenho numa liga de silício-germânio. Construímos moduladores, começando com 10 gigabits por segundo e alcançando hoje os 40 gigas. Fizemos multiplexores e de multiplexores, e no ano passado desenvolvemos aquilo que tecnicamente se chama um “laser de silício híbrido”.
E agora temos uma capacidade de transmissão óptica de ponta a ponta, mas precisamos de colocar todos os dispositivos juntos num único chip e é nisso que estamos a trabalhar hoje. O que planeamos demonstrar é um “transceiver” óptico completo em silício no próximo ano ou por aí.
CW - Quando estará a tecnologia disponível no mercado?
JR - É possível que no final da década nós tenhamos produtos de fotónica de Silício no mercado. Se não for em 2010, talvez 2011, mas estamos bem perto agora. Temos todos os dispositivos ópticos e o que realmente importa é colocá-los todos juntos num único chip e construir o “transceiver.” Por causa do custo efectivo destes dispositivos, podemos falar no uso de tecnologias ópticas dentro do centro de dados.
CW - Cada vez mais robôs de capacidades surpreendentes e por vezes assustadores, que se locomovem como se estivessem vivos! Isso significa que a era do das máquinas inteligentes está próxima?
JR - Bom, acredito que de certos pontos de vista a resposta é sim. A plataforma de monitorização à saúde, possui uma variedade enorme de formas. Hoje você pode colocá-la no bolso ou prendê-la no seu cinto. Ela reúne todos estes dados e faz inferências em relação a eles. Pode dizer se está sentado ou em pé, se está dentro de casa ou fora, se está escalando, subindo ou descendo uma escada, e baseando-se nisso pode tomar decisões sobre o que uma pessoa está a fazer.
Quando o aparelho começa a apreender padrões do seu comportamento pode descobrir se está em casa ou no trabalho, se está a conduzir o seu carro ou está sentado numa praia qualquer. Acredito que existe todo um campo chamado computação perceptiva, pronto para grandes avanços. Creio que ao longo da próxima década surgirão dispositivos, sejam eles robôs ou não, para explorar a percepção computacional e exibir um comportamento bastante humano. Tenho certeza que isso vai acontecer.